quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Não, não é Cansaço...

Não, não é Cansaço...

Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,

Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...

Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa





6 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Que o cansaço nos não tolha mas, como Pessoa, sinto:
"...um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço..."
Abraço

Fê blue bird disse...

Sabe meu amigo, cansaço é o que sinto neste momento. Portanto não podia ter escolhido melhor poema.
"Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!... "

Beijinhos

Rogério G.V. Pereira disse...

Quase sempre são os poetas
que nos definem as sensações exactas
com as palavras certas.

(mas isto passa...)

PratosdaBela disse...

Gostei...
Jinhos fofos

Pedro Coimbra disse...

Caro Rodrigo,
O poema fez-me lembrar os tempos do "Pão com Manteiga" na rádio.
Numa das emissões, apresentaram um tpo 10 literário.
Que era algo deste género:
10 - Fernando tipo
9 - Fernando gajo
8 - Fernando indivíduo
7 - Fernando fulano
6 - Fernando cicrano
E por ai fora.
Até chegar ao número 1 que era ....Fernando Pessoa :)
Abraço

Anónimo disse...

E este cansaço é daqueles que vai durar por alguns anos...