"Depois do tempo em que Abril floriu, quase toda a gente se dizia de esquerda. Por convicção, por oportunismo ou, simplesmente, porque estava na moda o ideal de esquerda. Contudo, os modismos passam e a realidade sobressai com a sedimentação do tempo.
Nos idos de 1974/75, ninguém ousava afirmar «eu sou de direita», isso era arriscado. Nem aqueles que hoje orgulhosamente se assumem como tal tinham a coragem de o dizer. Era perigoso para quem o afirmasse. Ser de direita significava ser fascista, reaccionário, capitalista ou lacaio do capitalismo, dizia-se. Com efeito, ser de direita era estar contra a classe operária, o proletariado, ou negar a sua própria classe. E eis que toda a gente, ou quase, vestia os adornos do operário, figura mitificada na época, que era considerado, muitas vezes sem saber porquê, como progressista, defensor do povo... E então, era ver alguns daqueles que hoje se assume pomposamente de direita, vestir os tais adornos, símbolos da esquerda da época, tais como: cabelo comprido, barba crescida e desgrenhada, palavrão pronto na boca, etc., etc.
Os tempos mudam, os símbolos políticos também. No entanto, ainda temos referências sérias quer de direita quer de esquerda. Que referências? A marca de mulheres e de homens que sempre afirmaram as suas convicções político-sociais, que não balançaram conforme as oportunidades, que mantiveram, embora evoluindo – que o tempo a isso obriga – nos princípios que enformam as suas convicções.
Aprendemos que ser de esquerda é defender o interesse do geral, é ser solidário, é estar ao lado daqueles que menos podem, é lutar contra as desigualdades entre pessoas e povos, é eliminar a repressão e a opressão, é defender a liberdade e criar as condições para a existência de um mundo mais justo e solidário.
E ser de direita? Seria menos complicado dizer que é o contrário do que dissemos no parágrafo anterior. Mas não. Hoje, está na moda a afirmação de direita. Veja-se como alguns políticos, hoje em moda, se afirmam orgulhosamente de direita. E mais, repare-se como, quando se dizem de direita, estão a afirmar que a esquerda é uma peste, é o mal. Aliás, os direitistas são hábeis maniqueístas. Ou seja, os homens e mulheres que se afirmam de direita, especialmente a direita radical, tal como certa esquerda em 1975, tem dificuldade em reconhecer e aceitar a outra parte. E então, quando falam dos princípios de esquerda fazem-no com desdém.
Que valores defende a direita, hoje? Analise-se os seus discursos, que lá está tudo: a Pátria, o trabalho, a autoridade, o respeito pelos superiores valores do Estado, o dinheiro, o beija-mão, a reverência e o endeusamento, de entre outras ideias similares.
Toda a gente defende a Pátria, mas quando se fala tanto em patriotismo, que se esconde? O trabalho é a única fonte de riqueza, mas o seu a seu dono. Porque para que alguns sejam muito ricos, muitos estão muito pobres. A direita tem dificuldade em redistribuir a mais valia. Autoridade sim, mas sem autoritarismos. A direita faz apelos constantes à autoridade do Estado, querendo com isso indicar a sua autoridade. A autoridade que defendem é a autoridade imposta, não a conquistada pelo exemplo. Com efeito, a direita fala como se estivesse acima da maralha. Todo o patriota respeita o Estado, que somos todos nós, mas será que o Estado que a direita propala respeita o cidadão comum? Toda a gente precisa de dinheiro. Sem esse nobre metal a nossa vida é um inferno. Mas certa direita só vê euros, sonha com eles, quer controlá-los e deixar no mealheiro umas migalhas, uns cêntimos para o Zé encontrado pela direita em Coimbra, aquando da campanha eleitoral para as legislativas de 2002, lembra-se? A direita folclórica gosta muito do beija-mão, gosta que lhe tirem o chapéu, gosta da reverência e do endeusamento. Pois que faça bom proveito.
Como apontamento final, direi que neste mundo da globalização, onde tudo é tão rápido e fluído, onde a generosidade não abunda, onde a concorrência não olha a meios, onde se procura aniquilar o outro e impor a vontade própria, é difícil apreender claramente onde está o traço que separa o homem de esquerda do homem de direita. E porquê? Porque vemos homens de esquerda com práticas que habitualmente são atribuídas à direita, e homens de direita com atitudes normalmente atribuídas à esquerda. O exemplo depende da oportunidade. É tal a miscelânea de comportamentos humanos neste início de século, que o que devemos relevar são as boas práticas, acções e atitudes de todos os homens e mulheres, e repudiar o contrário, para que a pessoa humana possa contribuir para um mundo mais fraterno, generoso, solidário e livre, como quis Abril que o Zeca Afonso cantou."
Nos idos de 1974/75, ninguém ousava afirmar «eu sou de direita», isso era arriscado. Nem aqueles que hoje orgulhosamente se assumem como tal tinham a coragem de o dizer. Era perigoso para quem o afirmasse. Ser de direita significava ser fascista, reaccionário, capitalista ou lacaio do capitalismo, dizia-se. Com efeito, ser de direita era estar contra a classe operária, o proletariado, ou negar a sua própria classe. E eis que toda a gente, ou quase, vestia os adornos do operário, figura mitificada na época, que era considerado, muitas vezes sem saber porquê, como progressista, defensor do povo... E então, era ver alguns daqueles que hoje se assume pomposamente de direita, vestir os tais adornos, símbolos da esquerda da época, tais como: cabelo comprido, barba crescida e desgrenhada, palavrão pronto na boca, etc., etc.
Os tempos mudam, os símbolos políticos também. No entanto, ainda temos referências sérias quer de direita quer de esquerda. Que referências? A marca de mulheres e de homens que sempre afirmaram as suas convicções político-sociais, que não balançaram conforme as oportunidades, que mantiveram, embora evoluindo – que o tempo a isso obriga – nos princípios que enformam as suas convicções.
Aprendemos que ser de esquerda é defender o interesse do geral, é ser solidário, é estar ao lado daqueles que menos podem, é lutar contra as desigualdades entre pessoas e povos, é eliminar a repressão e a opressão, é defender a liberdade e criar as condições para a existência de um mundo mais justo e solidário.
E ser de direita? Seria menos complicado dizer que é o contrário do que dissemos no parágrafo anterior. Mas não. Hoje, está na moda a afirmação de direita. Veja-se como alguns políticos, hoje em moda, se afirmam orgulhosamente de direita. E mais, repare-se como, quando se dizem de direita, estão a afirmar que a esquerda é uma peste, é o mal. Aliás, os direitistas são hábeis maniqueístas. Ou seja, os homens e mulheres que se afirmam de direita, especialmente a direita radical, tal como certa esquerda em 1975, tem dificuldade em reconhecer e aceitar a outra parte. E então, quando falam dos princípios de esquerda fazem-no com desdém.
Que valores defende a direita, hoje? Analise-se os seus discursos, que lá está tudo: a Pátria, o trabalho, a autoridade, o respeito pelos superiores valores do Estado, o dinheiro, o beija-mão, a reverência e o endeusamento, de entre outras ideias similares.
Toda a gente defende a Pátria, mas quando se fala tanto em patriotismo, que se esconde? O trabalho é a única fonte de riqueza, mas o seu a seu dono. Porque para que alguns sejam muito ricos, muitos estão muito pobres. A direita tem dificuldade em redistribuir a mais valia. Autoridade sim, mas sem autoritarismos. A direita faz apelos constantes à autoridade do Estado, querendo com isso indicar a sua autoridade. A autoridade que defendem é a autoridade imposta, não a conquistada pelo exemplo. Com efeito, a direita fala como se estivesse acima da maralha. Todo o patriota respeita o Estado, que somos todos nós, mas será que o Estado que a direita propala respeita o cidadão comum? Toda a gente precisa de dinheiro. Sem esse nobre metal a nossa vida é um inferno. Mas certa direita só vê euros, sonha com eles, quer controlá-los e deixar no mealheiro umas migalhas, uns cêntimos para o Zé encontrado pela direita em Coimbra, aquando da campanha eleitoral para as legislativas de 2002, lembra-se? A direita folclórica gosta muito do beija-mão, gosta que lhe tirem o chapéu, gosta da reverência e do endeusamento. Pois que faça bom proveito.
Como apontamento final, direi que neste mundo da globalização, onde tudo é tão rápido e fluído, onde a generosidade não abunda, onde a concorrência não olha a meios, onde se procura aniquilar o outro e impor a vontade própria, é difícil apreender claramente onde está o traço que separa o homem de esquerda do homem de direita. E porquê? Porque vemos homens de esquerda com práticas que habitualmente são atribuídas à direita, e homens de direita com atitudes normalmente atribuídas à esquerda. O exemplo depende da oportunidade. É tal a miscelânea de comportamentos humanos neste início de século, que o que devemos relevar são as boas práticas, acções e atitudes de todos os homens e mulheres, e repudiar o contrário, para que a pessoa humana possa contribuir para um mundo mais fraterno, generoso, solidário e livre, como quis Abril que o Zeca Afonso cantou."
(António Pinela, Reflexões, Março de 2003).
1 comentário:
Precisamos todos uns dos outros, somos animais sociais que não sobrevivem sozinhos, fico meditando se seremos racionais... quando destruimos um planeta,... uns morrem de fome enquanto de milho se faz combustível,... globalizar para transportar comida a kms de distância para ajudar a poluir... isto já nem é esquerda ou direita, somos animais aspirantes à racionalidade, sem muito tempo para reparar tantos erros e asneiras... matamo-nos uns aos outros enquanto apregoamos morais duvidosas e acabamos com o ar que respiramos.
Enfim, às vezes preferia pertencer a outro tipo de animais... aos que não têm dúvida nenhuma que são irracionais... pelo menos, assim, não me preocupava tanto ;)))
Bjos
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