Há 38 anos, há hora que tento alinhavar este post estava a
trabalhar numa fábrica de vidros existente na localidade dos Pousos, perto de
Leiria. Era um dia igual a tantos outros, tinha 19 anos e um futuro obscuro à minha
frente. Mais um ano e iria ingressar na tropa, então obrigatória e muito provavelmente
após a recruta, pois nunca passaria de soldado “raso” lá seria mais um jovem a
ser transformado em carne para canhão.
O futuro o simples pensar nisso era apenas uma miragem. Os
jovens desses tempos tinham à sua frente apenas um muro opaco, nada se via do
lado de lá. Era um tempo sem futuro, era um tempo em que nos iam chegando notícias
de gente que morria ou ficava estropiado. Noticias que doíam ainda mais quando
se tratava de alguém conhecido, familiar ou amigo.
Nesse tempo já me chegava alguma imprensa clandestina. Nesse
tempo já participava nalguns encontros onde sabia de coisas que a imprensa, a
rádio e a televisão não divulgavam. Nesse tempo já me atrevia a sonhar, com o
fim da guerra colonial, com a liberdade e o direito de olhar para o lado de lá
daquele muro intransponível.
Um dia depois só um,
mudou tudo. Estava novamente no meu posto de trabalho, onde começávamos de
madrugada, seriam para aí 9/10 horas da manhã quando um fornecedor de ferramentas
se abeirou de mim e me segredou. “Houve um golpe de estado, o Caetano já foi
preso, o Spínola, tomou o poder” e mais algumas coisas que não recordo. Recordo
sim que não contive a alegria que senti e a explosão de vivas e abaixos, como
que se repente tivesse ficado maluco gritei, no que rapidamente fui acompanhado
pela generalidade dos colegas de trabalho. De nada serviu o alerta dado pelo mensageiro
(atenção que as coisas ainda não estão seguras).
De tudo o que se seguiu já sabemos, a alegria, a festa as
conquistas, a liberdade e a construção de Democracia.
Também sabemos que hoje, muito do que foi conquistado está
em causa. Mas também sabemos que dispomos duma arma que se a utilizarmos
convenientemente, faremos cumprir as palavras do poeta que escreveu “agora ninguém
mais cerra as portas que Abril abriu”.
Que se comemore Abril, mas que saibamos que mais do que
nunca, o temos que defender. Esta noite
estarei na praça Stephens na Marinha Grande, gritando a plenos pulmões: VIVA A
LIBERDADE.
6 comentários:
Excelente forma de comemorar Abril: recordar o que era o "antes".
Caro Rodrigo,
Por momentos, vibrei com estes relatos. Obrigado.
Abraço!
Não sei o que lhe escrever porque a sua narrativa me emocionou.
VIVA A LIBERDADE
e
VIVAM OS IDEAIS DE ABRIL!
Beijo
Laura
Um emocionante registo da sua parte.
Gostei muito.
Rodrigamigo
Estou de volta e maluco como sempre. Carregado de saudades de Goa e da sua excelente gente. E agoniado com o que encontro por cá: tristeza, desânimo, desgraça. E, pelos vistos, o que está para vir será pior. Amanhã é dia de homenagem aos Capitães de Abril; mas também de luto por esta enorme maldade que os criados nacionais (???) da troika nos estão a fazer. Portugal, infelizmente, é assim…
Espero por ti – como sempre.
Abçs
Olá Rodrigo.Obrigado pelo testemunho que aqui escreve e que muitos deveriam ler.Eu sei o que sentiu,e até eu por ser mulher soltei um grito de alegria que jamais esquecerei.Era jovem e casada já com dois filhos,mas em casa dos meus pais era sempre um sobressalto por causa do pai.Como pode verificar a minha alegria é partilhada.Muita coisa foi caindo porque não ensinaram nas escolas o que o mesmo representou,alguns políticos não o respeitaram como actualmente muito pior.
Feliz 25 de Abril em Liberdade.Abraço
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