Que temos que ver com a fortuna esbanjada em vestidos e
smokings perfumados, provavelmente emprestados, alugados, trocados por favores,
proclamadores de griffe?
Quantos destes
tecidos são apenas anúncio sem jeito de uma fama que brilha factuamente por uma
noite na constelação de estrelas sem norte, numa sociedade sem azimutes?
Que me importa que se
badalem e estimem, que se proclamem e exibam, que se flagelem de prendas e
elogios, que levantem prémios designados por quem sabe o segredo maior de todas
as coisas, ultima porta ao lado das entradas de cavalo, favor de todos os
lóbis, concentração pouco plural de pesadelos e serviços?
Que linda e fútil é a
nossa sociedade, construída com fundamento na moda, no mostra hoje que amanhã
não sabemos, e na post modernice mais larvar e imbecil da criação?
Que artistas tao
geniais recebem tantos elogios, sempre os mesmos?
Que gente é esta,
vestida de boa, esmoleres criaturas ignorando a crise e o desemprego, ignorando
os próprios sem abrigo que mais logo à noite, na mesma rua do Coliseu, farão de
uma caixa de cartão apartamento e da raiva loucura e do sonho bebedeira, para
esquecer e não lembrar a vida perdida?
Quantos são afinal os
que mandam nesta fantochada requentada e triste? Quem acredita que aqueles
sejam mesmo os maiores do ano, da vida, da década ou do Mundo que dê o primeiro
passo.
Ali nunca premiariam nem Gil Vicente, nem Luiz Pacheco; nem
Zeca, nem Adriano; nem Damião de Gois nem o pobre Luiz Vaz. Nem Jorge de Sena
nem Vergilio Ferreira. Provavelmente, arrisco de propósito - para acusação
maior de hipocrisia total – se calhar ali nunca venceria em vida Bernardo
Sassetti.
Ali vive-se a aurea
mediocritas do que temos. E tenta ocultar-se a pobreza por um dia, como se o
pais fosse a TV e o sucesso uma pilha de favores encadeados sob a forma de um
êxito vago e sem memória. Algumas editoras escolhem entre elas e distribuem o
grupo do ano. Poucas. Para o ano a coisa roda e seremos todos felizes.
Oh senhores! Querem a canção do seculo? A pedra Filosofal, talvez. A coragem do século? Humberto Delgado, talvez Salgueiro Maia. O letrista do seculo? Ary!
Esses sim; esses são os meus maiores.
Esses serão para sempre os Globos de ouros de uma outra Gala, de um outro país que não é aquele que ali, só muito supostamente, está presente.
Pedro Barroso
7 comentários:
Não me importa se foi surripiado ou não.
O que me importa é que foi escrito, e bem, o que eu queria ter escrito.
Beijo
Laura
Excelente! A realidade de forma nua e sem preconceitos.
abraço
cvb
Concordo! Mas cada vez há mais galas, mais ídolos, mais programas parvos nas televisões, nas revistas, nos jornais.
Vi os Globos de Ouro por razões familiares, pois uma das premiadas é minha sobrinha, mas estou plenamente de acordo consigo, Rodrigo.
Como já escrevi - creio até que mais de uma vez- a sociedade do consumo criou pessoas cujo principalobjectivo é "parecê-lo" em vez de "sê-lo".
A cfrise representa, em parte o regresso à realidade e, nesse aspecto, não posso deixar de dar alguma razão ao Coelho, quando diz que os portugueses ( muitos, mas não todos, obviamente) viviam acima das suas possibilidades. Endividaram-se até ao tutano, porque não poderiam tolerar que o vizinho tivesse algo que eles não tinham. A promessa de dinheiro fácil fez o resto, nesta sociedade virtual.
Abraço
PS: Não sei o que se terá passado com os seus comentários, Rodrigo. Fui ver a caixa do SPAM , mas só encontrei lá um de Abril.
Nunca vi, Rodrigo.
E não tenho intenção de ver.
Só vi imagens do Jorge Palma gansado.
Bestial!!!
Aquele abraço
P.S. Escrevi o tal post sobre a Académica e o Académico
Detesto estas tretas, desculpe o termo.
Subscrevo e assino este belíssimo texto de um homem que admiro.
Às vezes penso que sou anormal, pois sou das poucas pessoas do meu círculo de conhecimentos que não vê televisão ;)
beijinhos
Muito bom!
Muito bom pelo escrito,
Pelo dito
e pelo tom
Mas (há sempre um mas)
o texto omite
que um artista,
um cantor
um letrista
ou entra nos critérios
ou nem sequer é mostrado
editado, publicado...
Liberdade de criação
existe, ou não?
Existir existe
só que fazem o que as editoras e estações querem
ou então
nem "passados" são!
(retire daqui, em termos políticos, as possíveis conclusões)
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