Antes do
adeus
Cipriano Justo (Dirigente da Renovação Comunista)
É antes do adeus que se
prepara o dia seguinte.
Ao fim
de pouco mais de dez meses, a direita e o seu governo mostraram o resto do
programa político que não ousaram revelar durante a campanha eleitoral de Junho
passado. O rol das medidas já aplicadas e as intenções já enunciadas passaram a
fazer parte do quotidiano dos portugueses, acordam com elas, deitam-se com elas,
são o seu pesadelo constante. A incerteza e a imprevisibilidade são diariamente
servidas em doses tais que tornam qualquer plano de vida um exercício
especulativo. Quando a um programa de austeridade se associa um plano de
transformação profunda da sociedade, dificilmente se pode deixar de pensar nos
piores momentos da história europeia e de recordar o que eles representaram para
milhões de homens e mulheres.
Nem se
pode dizer que a direita e o seu governo não desejassem esta oportunidade e a
tivessem aproveitado para por em prática o seu programa ideológico extremo. A
partir da declaração de um alto dirigente do PSD, a 11 de Março de 2011, de que
“ou há eleições no país ou no partido”, articulada com o discurso de Cavaco
Silva na sua tomada de posse, a 9 de Março, ficou claro que, qualquer que fosse
a conjuntura daí para diante, a direita só tinha um objectivo: a tomada do
poder. É, por isso, de uma inusitada cobardia política andar a esconder-se
sistematicamente atrás de José Sócrates, qualquer que seja o juízo que se faça
sobre a sua governação, sempre que tem elevar o programa de ajustamento ao
quadrado. Ela sabia o que a esperava. Tinha acesso privilegiado à informação
sobre a situação do país, e sob a capa de um elevado espírito patriótico
negociou o orçamento de Estado para 2011, discutiu com os representantes da UE,
FMI, BCE os termos da assistência financeira e rubricou o respectivo memorando
de entendimento.
Estando
as medidas do governo a gerar as piores rupturas sociais de que há memória em
trinta e oito anos e sendo crescente o seu isolamento político, de que os
acontecimentos que rodearam as celebrações do 25 de Abril são só um sinal, é
legítimo começar-se a questionar desde já como vai ser o dia seguinte. Porque,
ao contrário do que se possa imaginar, os efeitos das medidas de austeridade não
se fazem sentir exclusivamente na altura em que são tomadas, elas têm um efeito
multiplicador, durando e deixando marcas indeléveis muito para além
da sua duração. Se não se voltarem a repor as garantias sociais que foram
sendo conquistadas e construídas, a sociedade portuguesa dificilmente conseguirá
reconhecer-se de mais uma longa noite que esta política está a provocar, tal é a
violência das suas consequências. É sobre isto que o centro-esquerda e a
esquerda têm a obrigação de pensar. O patamar em que os portugueses se encontram
está tão baixo e já são tão básicas as necessidades de cooperação, que fazer das
divergências partidárias o essencial das diferenças programáticas é, nas actuais
circunstâncias, deixar os respectivos eleitorados sem resposta à actual
situação. Quando do que se trata é de examinar o que de comum existe e em que
medida pode representar uma alternativa ao programa da
direita.
Iniciando-se
em finais de 2013 um novo ciclo eleitoral, que se irá prolongar até 2016 se os
calendários se cumprirem nas suas datas, o que não é certo, sobretudo no que
respeita ao de 2015, é avisado que o centro-esquerda e a esquerda comecem desde
já a deitar contas ao seu significado político. Para que a estabilidade e a
previsibilidade regressem à vida dos portugueses, e a austeridade veja os seus
dias contados.
Publicado no jornal ( Publico de ontem)
7 comentários:
Infelizmente não vejo um PS à altura desse desafio... dessa união... do centro esquerda com a esquerda...
para isso era preciso pensar primeiro nos portugueses e só depois nos interesses e dogmas partidários.
Bjos
Gosto muito de ler Cipriano. Vou linkar este post no FB, porque gosto do texto e porque gosto deste espaço do Rodrigo onde há sempre algo para se aprender.
Mudam as cores politicas mas mantêm o mesmo programa e a mesma austeridade ou pior ainda a tornam mais gravosa.
Já não acredito em nenhum politico nem em coligações.
Tornaram-se ministros do reino alemão que quer comandar não só a EU mas o mundo inteiro.
É com grande tristeza minha,que leio e ouço todos os dias o que não estava a espera.Os políticos quando é para apanhar o voto,prometem muito depois é o que se sabe.Andamos nas pata Alemã e ainda ira ser pior para mal nosso.
Abraço
A esquerda consequente estará atenta
a todas as movimentações
Eu tinha lido o artigo e gostei muito. Vamos a ver se a esquerda está à altura das suas responsabilidades no próximo acto eleitoral, se os eleitores não se deslumbram com promessas eleitorais feitas pelos partidos do governo quando se aproximar 2015 ( não é por acaso que foi anunciado o regresso dos subsídios nesse ano) e se o PS passa da fase das críticas à fase de apresentar propostas alternativas...
Abraço
O Tito gostou e levou...
Quanto ao que eu penso, nada lhe acrescento. Há muito que fazer antes de se pensar em aritméticas eleitorais, em tacticismos... ainda que com enquadramentos legítimos e palavras adequadas...
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