terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Um insólito doutoramento

Por Alípio Cristiano de Freitas , Terça-feira, 13 de Dezembro de 2011.
Texto surrripiado na pagina de amigos de José Afonso no Facebbok. *

O hábito de andar por aí, assim a andarilhar fez com que sempre estivesse atento à história não me admirando portanto de nada. Aliás a Bíblia refere há centenas e centenas de anos, que "não existe nada de novo debaixo do sol". É um aviso antigo e sábio, mas que a "nossa vã filosofia" nos faz esquecer. Por isso não me admirei que uns epígonos quaisquer fantasiados de responsáveis da Universidade do Mindelo atribuíssem ao Sr. Adriano Moreira o título académico de "Doctor Honoris Causa", que ele o sr. Moreira aceitou.

Foi e é baseado em critérios semelhantes aos dos responsáveis da universidade do Mindelo que os neo-nazis alemães criaram a "verdade histórica" de que depois de Lutero, Hitler foi a mais amada personalidade da história da Alemanha; que os franquistas mais próximos de Franco, ainda ele insepulto, já tinham preparado um processo pronto para dar entrada na Cúria Vaticana para que fosse declarado "Beato", como convinha a um "Caudillo de España por la gracia de Dios"; foi assim que Estaline, apesar dos crimes da colectivização, dos julgamentos de Moscovo, das diversas limpezas étnicas e de todos os Gulags, era apelidado de "Paizinho" e de "Guia" universal da Humanidade.

Os exemplos de amnésia política e cultural que conduzem ou pretendem conduzir, e nalguns casos com sucesso, ao esquecimento dos crimes cometidos contra a humanidade são muitos, multiplicam-se. Por isso é necessário estar atento, vigilante. A mim tanto importa que o autor do crime se chame Adriano Moreira ou Videla, Ulstra Brilhante, Pinochet ou Suharto, ou outro(infelizmente há muitos!)e menos ainda que tenham morrido ou se escondam sob qualquer disfarce. Tais crimes são imprescritíveis e o seu julgamento é da alçada dos tribunais. E que não haja amnistias que descriminalizem os autores dos crimes e condenem as vítimas. Não é vingança o que se pretende. Apenas justiça.

Aqui, em Portugal, as amnistias e as revoluções democráticas entenderam mal a fábula do cordeiro e do lobo. Aparentemente abriram um espaço sem fim aos cordeiros e circunscreveram o dos lobos. Mas as vigilâncias foram-se relaxando e hoje a fábula volta repetir-se - a culpa é e sempre foi dos cordeiros.

Voltando ainda ao caso do doutoramento Honoris Causa do sr. Adriano Moreira há algumas perguntas que têm de ser feitas e conviria que fossem respondidas:

1.a escolha do dia 10 de Dezembro, dia que foi escolhido pela ONU para relembrar os Direitos Humanos, foi propositada ou casual?

2.conhece-se algum texto ou discurso ou simples comunicação do sr. Adriano Moreira reconhecendo como um erro político a atitude do Salazarismo contra o direito dos povos das colónias à independência?

3.reconheceu alguma vez o sr. Adriano Moreira que no "Campo de Trabalho" de Chão Bom(Tarrafal) se praticava a tortura e os prisioneiros eram submetidos a um regime carcerário indigno?

4.os promotores da atribuição da referida distinção académica levaram em conta a opinião dos seus concidadãos, antigos prisioneiros e sobreviventes do Tarrafal?

5.os mesmos promotores alguma vez se questionaram sobre o papel que o Tarrafal representou na história política e na luta anti-fascista?

6.os promotores da citada homenagem ao sr. Adriano Moreira sabiam e sabem que os actos praticados no Tarrafal contra os prisioneiros políticos que por lá passaram ou lá faleceram são crimes contra a humanidade, inafiançaveis e imprescritiveis?

7.sabem também os promotores que quem encobre tais crimes e obstaculiza o trabalho da justiça, ou protege os seus autores incorre em penas semelhantes às aplicáveis aos crimes?

*Trago para aqui um texto sobre um assunto (vergonhoso) que quase está a passar despercebido na sociedade Portuguesa, escrito por um dos grandes resistentes anti-fascistas vivos (Alipio de Freitas). Só conhecia este Homem pela canção que Zeca lhe dedicou. Tive o prazer de o conhecer pessoalmente nas comemorações dos 80 anos do Zeca em 29 de Maio de 2010. Voltei a estar com ele e com ele segurei  as faixas dos grupos de amigos do Zeca e da da associação 25 de Abril. Mas para falar deste verdadeiro herói deixo a canção do Zeca que incuí num post que publiquei no "Largo das Calhadreiras".

Post publicado no Largo das calhandreiras em 29 de Maio de 2010 (link)

5 comentários:

Carlos Albuquerque disse...

Caro Rodrigo
Este seu post fez-me regressar ao passado. Explico: Conheci o Alípio de Freitas na RTP, quando ele por lá passou e convivemos, ambos, durante algum tempo. Os dois, participámos em plenários de redacção de cortar à faca. Sempre do mesmo lado batendo-nos contra os reaccionários que pretendiam (e em parte conseguiram, mas isso é outra história...) dominar a RTP. Em madrugadas de conversa descobrimo-nos ambos, e eu fiquei com a certeza de que ele era um ser diferente, quiçá superior. Zeca o cantou, com toda a razão.
O meu estado físico (raios da PDI!)já não me permite andar por onde sempre andei. Mas, se me permitisse, de certo o encontraria e, por certo, de novo nos abraçaríamos.
Foi bom, soube-me bem, encontrar este seu post, caro Rodrigo.
Quanto ao tema - o doutoramento de Adriano Moreira, em relação ao qual estou de acordo com Alípio, devo também dizer-lhe, e faço-o por respeito ao ser descomplexado que sou.
Adriano Moreira foi meu professor numa das universidades em que conclui uma das minhas licenciaturas. Um dia, tendo sabido que reprovaria por ter faltado ao exame oral de fim de curso, decidi ir falar com o reitor, que era Adriano Moreira. Disse-lhe que a minha ausência se devia ao facto de trabalhar para sustentar os estudos, sendo casado e com quatro filhos. Pedi-lhe um segundo exame. Olhou-me e disse-me: "Sei o que isso é porque também trabalhei para poder estudar. Autorizo o segundo exame".
Fui a nova prova oral perante um júri de que ele próprio, Adriano Moreira, foi presidente. De lá saí com com 19 valores.
Não esqueço!
Um abraço

Pedro Coimbra disse...

Não percebo esta animosidade com Adriano Moreira, Rodrigo.
Nem estes ódios recalcados.
Não sou assim.
E, neste caso, o que está em causa é o mérito académico da pessoa.
Nada mais.
Aquele abraço

folha seca disse...

Caro Carlos Albuquerque
Zeca Afonso dedicou a alguns homens e mulheres (individualmente) algumas das sua canções. Lembro-me de repente de: José Dias Coelho, Catarina Eufémia e Alípio de Freitas. Destes só o ultimo estava e felizmente ainda está vivo. Sabe-se que quando Zeca escreveu a canção a vida de Alipio de Freitas estava em perigo. De facto só o ano passado tive a felicidade de o conhecer e pedir-lhe para lhe dar um abraço (curiosamente a minha companheira documentou fotográficamente esse momento).
Quanto a Adriano Moreira não conheço pessoalmente, mas parece-me que não está em causa o reconhecimento pelo seu valor académico, mas o simbolismo pelo local escolhido para o tal Doutouramento.
Abraço

folha seca disse...

Caro Pedro Coimbra
Reli o texto do Alípio de Freitas e em parte alguma vi "ódio". Vi sim história e memória.
Também não vi nada que pusesse em causa o "mérito académico" da pessoa.
A história não pode nem deve ser apagada. Houve gente que foi presa, torturada e assassinada nas masmorras do Fascismo, onde incluo o campo de concentração do Tarrafal mandado reabrir pelo então Ministro do Ultramar do Salazarismo. Não se exige sequer punição alguma, não se critica o acto (Doutoramento) mas o local onde foi realizado.
Abraço

Graza disse...

Folha Seca:

Estivemos nas mesmas comemorações do Zeca, não sei se esta:
http://associabril.blogspot.com/2009/12/jantartertulia-80anos-de-zeca.html
fizemos os mesmo desfile, pegamos na mesma faixa e temos um amigo comum: o Alípio...

Vi que o refere no Facebook, mas o Alípio começou também a andar por aqui, porque talvez lhe interesse aqui fica: http://cartavaria.blogspot.com

Saudações.