(Esta carta foi publicada no Jornal da Marinha Grande, após um lamentável e irreparável engano, no Hospital Santo André em Leiria. Eu que não ligo nada a estas coisas, dos dias disto e daquilo pois os mesmos tornaram-se numa promoção consumista, senti vontade de dizer qualquer coisa ao meu velhote, sim porque a saudade aumenta consoante o tempo passa).
CARTA AO MEU PAI. Manuel Henriques (Lelo Cidadão)
Velhote.
Dei comigo a pensar que, em quase 52 anos de vida nunca te escrevi uma carta ou um simples postal. A razão é só uma, nunca foi necessário comunicar contigo por escrito, porque nunca estivemos tempo suficiente afastados para que isso fosse necessário.
A ultima vez que estive contigo vivo, foi menos de 24 horas antes de teres entrado no hospital onde viveste a história mais rocambolesca da tua “existência”.
Nunca te passou pela cabeça (nem a nós) que depois duma vida modestíssima serias noticia nacional… verdade! Nem queiras saber? Jornais e televisões falaram de ti… não contaram nada a teu respeito, não falaram de teres começado a trabalhar com 7 anos, nada sobre a tua vida de dificuldades e em muitos momentos quase de miséria não mencionaram nada sobre o teres crescido com o teu pai na prisão. Sabes? Nem no teu nome.
Foste noticia nacional e o teu nome nem sequer foi referido, praticamente ninguém sabe quem tu eras o que fizeste que profissões exerceste… nada… nada…
Ironia do destino nem sequer foste noticia por teres morrido, sim Pai aconteceu-te aquilo a que estamos todos condenados. Morreste.
Foste notícia porque alguém “fez” com que continuasses vivo num qualquer impresso hospitalar, mudaram-te o nome e entregaram-te a outra família para te fazerem o funeral. Por pouco não foste enterrado com o fato de outra pessoa vestido.
Li uma vez em qualquer lado, que quando um cão morde um homem, isso não é notícia. Mas quando se verifica o contrário já é.
Então Pai tu foste o homem que mordeu o cão e como tal passaste a ser noticia, por isso simplesmente. “o homem que mordeu o cão”.
Desculpa a ironia, pois creio que lá onde estás não há jornais nem televisão nem sei o endereço para te mandar esta carta…mas há uma coisa que sei, partilharias a indignação que os teus filhos; noras; netos; esposa; Família; amigos e muita outra gente, sente pela situação caricata; inadmissível e inacreditável em que te envolveram.
Pelo menos que sirva para que nunca mais uma família julgue um seu ente querido vivo e só o saiba morto mais de 30 horas depois.
Descansa em paz querido Pai
05 Março 2007
Rodrigo Henriques