quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Ainda a propósito de Canções

Com a devida vénia ao autor. reproduzo um post publicado há uns tempos que conta uma "estória" das muitas passadas nos tempos em que cantar certas canções era proíbido. Reproduzo tambem um comentário que fiz na altura. Ver post original aqui
JOSÉ AFONSO
Passaram 23 anos após a morte de Zeca Afonso. Em 23 de Fevereiro de 1987, após uma dura luta contra a grave doença que o atormentava, viria a sucumbir no leito do hospital.
Muito já se disse do Homem, Poeta , Cantor e Compositor. Porém, nunca será de mais realçar o seu culto da amizade ao próximo, a solidariedade para com os mais desfavorecidos, a busca constante da liberdade para o seu Povo, bem presente nas suas canções.
Foste um "guerrilheiro" em que as tuas armas eram poemas e o ribombar dos teus canhões eram os sons das tuas baladas, entoadas em uníssono pelas multidões que te adoravam e adoram.
A censura e a repressão do antigo regime nunca te conseguiram calar. É de assinalar a ridícula acção da polícia política que em vésperas do dia 1º de Maio, te prendia preventivamente, para evitar que fosses fazer acções de canto livre junto das camadas trabalhadoras. Passada aquela data eras posto em liberdade.
A falta de liberdade antes de 25 de Abril de 1974, põe a ridículo as alegações caricatas de uns quantos políticos actuais que hoje apregoam não haver actualmente em Portugal liberdade de expressão. Onde está a censura prévia que cortava textos quase inteiros, a ponto de, o que restava, não ter qualquer sentido? Onde estão as prisões efectuadas nas madrugadas de hoje sobre aqueles que são de opinião política diferente do governo?
Tu, Zeca, para conseguires iludir os censores, em geral coroneis reformados, bordavas os teus poemas com expressões figuradas de simbolismos sub-reptícios de rara beleza.
Por falar em liberdade, lembro-me de um episódio a que felizmente assisti e que me marcou profundamente.
Decorria o ano de 1970 ou 1971. Foi publicitado que se iria realizar no Sport Operário Marinhense, pelas 21H30, uma sessão em que iria actuar José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e outros de que não recordo o nome. O evento gerou logo grande expectativa na juventude marinhense.
A sala estava repleta. Ao fundo do palco um grande cartaz com as primeiras letras de "Roseira brava, roseira...".
O espectáculo estava para começar quando chegaram elementos da polícia política- D.G.S., com ordens para proibir o evento. O ambiente da sala estava pesado, o nervosismo era visível nos rostos dos presentes. Zeca e Adriano percorriam o corredor entre as cadeiras, de um lado para o outro.
Um prestigiado médico local que se encontrava na sala como espectador, endereçou uma mensagem ao Governador Civil de Leiria, tomando a responsabilidade em como o espectáculo decorreria normalmente, sem alterações de ordem pública.
Mais uma espera e seriam talvez umas 23 horas quando veio a resposta: A sessão estava proibida!...
Não havendo mais nada a fazer, tu Zeca, dirigiste-te aos presentes e disseste: "Só nós estamos proibidos de cantar, vós não!... Sendo assim, cantem vocês para nós!..."
Então, perante os agentes atónitos, foi realizada uma sessão inesquecível em que, uma plateia em coro, interpretou um desfilar de canções cujas letras todos sabíamos de cor.
Hoje, constato com alegria que não só a minha geração, mas também os vindouros te admiram e essa é a maior prova da tua imortalidade.


folha seca disse...

Caro Carlos Rocha Vieira
Porque não tinha ainda descoberto o seu blogue, enviei este texto para A AJA. Espero que não leve a mal.
Cumprimentos

Li com grande emoção o post do Carlos Rocha Vieira, pois também era um dos jovens que lá estava.
Para além do Zeca e do Adriano, estava também o José Jorge Letria que na altura integrava este grupo, que pelo País inteiro ia “semeando” canções que tiveram um grande papel na consciencialização das populações. Não recordo se haveria mais algum cantor.

Não sei bem mas parece-me que isto se passou em 1973. Também me parece que não era um médico mas sim um advogado. O Democrata Marinhense Jóse Vareda acompanhado por outros Democratas, que se opuseram à identificação dos organizadores (jovens com a tropa por fazer) e deram a cara responsabilizando-se pelo evento.

De referir que O Sport Operário Marinhense na Altura para alem duma pequena sede alugada tinha também um pequeno barracão alugado junto da Ivima onde se faziam bailes e outras actividades, foi neste local que se passou o relatado.

No entanto a história não ficou por aqui. Parte dos presentes e os próprios cantores não desistiram de se juntarem num outro local. Depois de varias peripécias, para iludir as "autoridades" lá acabamos (cerca de 20 pessoas) no Mostruário do J.Ferreira Custódio, uma fábrica de vidros (propriedade na altura do José Vareda e do Xico Ganiço) a cantar e a ouvir os convidados até altas horas da madrugada.

25/3/10 12:02



7 comentários:

Flor de Jasmim disse...

Já várias vezes me contaste estes acontecimentos, no entanto não o consegui ler de uma só vez, porque estou chorona, é realmente comovente para quem conhece certos acontecimentos, pelos quais tu ainda muito jovem e outros mais fizeram e sofreram a lutar pela liberdade. Vamos sim cantar as canções que o nosso zeca e outros mais não podem mais cantar. este texto é divin~.
Beijinho

almeida piedade disse...

Caro Folha Seca
Ao ler este texto não resisti sem ir ao quarto do meu pai que está já um pouco velhote para ele ter o prazer de saber que existe alguém que fala nestes homens com o carinho com que o meu caro o fez, o que li é uma pérola. O meu pai está de lágrimas nos olhos porque o pai dele o meu avô foi preso no 18 de Janeiro de 1934. Agora eu ando muito intrigado ninguém tira o mérito a estes homens mesmo depois de partirem, mas existem outros mais e ainda vivos que nem sequer se ouve falar como o Sr. Joaquim Carreira por quem eu tenho um gande respeito e admiração. Acho que se devia fazer algo enquanto está entre os vivos.
Muito obrigado pelo que me deu a ler.
Abraço

folha seca disse...

flor de jasmim
Obrigado pelos teus sempre sempre simpáticos comentários.
Apesar de partilharmos muitas da estórias das nossas vidas, há coisas que estão guardadas nas nossas memórias e às vezes saíem.
Beijinho

folha seca disse...

Caro Almeida Piedade.
Não foi só ao seu Pai que pôs lágrimas nos olhos.
Creio que temos em comum o facto de sermos netos de Homens que em 18 de Janeiro de 1934 terem ido parar às mosmorras do fascismo.
Mas o que me motiva a responder-lhe deve-se ao Joaquim Carreira. Vária vezes o tenho referido, quer em posts quer em comentários.
A situação em que Joaquim Carreira "vive" é deprimente. Um homem que deu grande parte da sua vida a lutar pela dignificação do ser humano, passando cerca de 20 anos nas prisões e clandestinidade, "vive" o resto da sua vida sem o minimimo de dignidade que é um direito de qualquer ser humano. Passa os dias no centro de dia da Stª Casa da Mesericórdia mas à noite fica fechado naquela velha oficina sem o mínimo de condições. Dois dos seus vários filhos, dão-lhe o mínimo de acompanhamento. Mas é insuficiente dado o estado de saúde do Carreira.
Dado que não se consegue o internamento no Lar eu próprio já propus a um dos filhos que tentassem num lar privado, pois sei que é possivel angariar valores atravez de amigos que tem, para suportar a diferença.
Abraço

Flor do Liz disse...

Boa tarde,

Tenho os olhos rasos de lágrimas, quer pela evocação, do Poeta do Povo, quer novamente, pela situação em que o Sr Carreira se encontra. Quando tive conhecimento da situação, fiz uns telefonemas e tentei informar-me e, disseram-me que o Sr Carreira estava no lar da Sta Casa da Misericórdia, fiquei descansada.
É de lamentar, que numa terra como esta, com tantos exemplos de fraternidade, não se resolvam estas situações talvez, porque os homens do 18 de Janeiro já se foram.
Em relação á ideia, do Sr Folha Seca, que acho louvável e altruísta, entre amigos angariar valores para completar a diferença do pagamento de um lar privado, quero desde já manifestar a minha solidariedade e contribuir com algo mensalmente, não podendo ser muito, pois dependo do meu subsídio de desemprego.
Não sou amiga do Sr Carreira, nunca falei com ele conhecia-o das sessões de esclarecimento políticas e, até antipatizava com ele, contudo lembro-me que lhe achava graça.
É lamentável e revoltante, que os seus amigos de jornada, enquanto lhes foi útil serviram-se dê-le e agora, o tenham abandonado e deixado chegar a este ponto
Abraço

folha seca disse...

Cara Flor do Liz
Tambem ando numa fase em que as lágrimas vêm com demasiada facilidade.
Quanto ao Joaquim Carreira, registo a sua disponibilidade. A questão está em que os filhos queiram. Por minha vontade e de mais alguns amigos já estava a situação resolvida, ou seja já se tinha encontrado um local decente para que aquele homem, tivesse os cuidados de que necessita.
Abraço

alma de pássaro disse...

Dado a minha idade, é-me difícil imaginar certas situações que a tua geração passou, mas não isso não impede de ter adorado ler o teu post. Obrigado pela partilha.
Beijinho