Aos domingos as ruas estão desertas
e parecem mais largas.
Ausentaram-se os homens à procura
de outros novos cansaços que os descansem.
Seu livre arbítrio alegremente os força
a fazerem o mesmo que fizeram
os outros que foram fazer o que eles fazem.
E assim as ruas ficaram mais largas,
o ar mais limpo, o sol mais descoberto.
Ficaram os bêbados com mais espaço para trocarem as pernas
e espetarem o ventre e alargarem os braços
no amplexo de amor que só eles conhecem.
O olhar aberto às largas perspectivas
difunde-se e trespassa
os sucessivos, transparentes planos.
Um cão vadio sem pressas e sem medos
fareja o contentor tombado no passeio.
É domingo.
E aos domingos as árvores crescem na cidade,
e os pássaros, julgando-se no campo, desfazem-se a cantar empoleirados nelas.
Tudo volta ao princípio.
E ao princípio o lixo do contentor cheira ao estrume das vacas
e o asfalto da rua corre sem sobressaltos por entre as pedras
levando consigo a imagem das flores amarelas do tojo,
enquanto o transeunte,
no deslumbramento do encontro inesperado,
eleva a mão e acena
para o passeio fronteiro onde não vai ninguém.
António Gedeão, Novos Poemas Póstumos, 1990(in Poesia Completa, Lisboa, Edições João Sá da Costa, 2a. Ed., 1997, p. 188).
6 comentários:
A cidade desertificada
A alma que lhe falta
E a esperança que tarda
Tudo isso agarrado a um domingo
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Não conhecia este poema, do meu (nosso)poeta
O oposto de Macau.
A confusão é ainda maior no final da semana.
Já mete impressão.
Meu amigo:
Sou fã de António Gedeão e cada vez descubro mais poesias que desconhecia e que me tocam profundamente. Tenho um publicada no meu blogue "café com letras" que depois irei publicar nos 5 minutos, que tal como esta nos mostra o talento inconfundível deste nosso mestre.
E como já é segunda-feira ;-) desejo-lhe uma excelente semana.
Beijinhos
Como lidar com as energias negativas!!! Lendo algo de bonito, tal como este poema, que eu sinceramente não conhecia.
Beijinho
Parabéns e obrigado por não desistir de nos oferecer estas pérolas.
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