Se há
alternativas, vamos a elas
Cipriano Justo (hoje no Publico)
Quando um
povo coloca quem os governa em estado de recolher obrigatório, considerando as
manifestações de protesto provocadas por qualquer dos seus membros sempre que
põe a cabeça de fora do respectivo gabinete, é porque o grau de rejeição que se
instalou tem uma tal intensidade que os governantes deixaram de ter condições
para continuarem a exercer as suas funções. Nenhuma dessas manifestações é um
inesperado acesso de mau-humor dos portugueses; elas têm uma história e uma
base material, quantificável pelo valor da destruição do emprego, rendimento,
expectativas e bem-estar social e individual. Por muito menos, a má moeda foi
colocada fora de circulação. O princípio da precaução, bastante aplicado em
saúde pública, deve igualmente estar presente sempre que as circunstâncias
políticas e sociais o exigem, competindo ao vértice dos órgãos de soberania
tomar as providências necessárias para o efeito. Em qualquer circunstância os
benefícios resultantes da interrupção do curso dos acontecimentos são sempre
superiores aos custos do prolongamento de uma doença.
O estado de
desgraça do governo, da coligação e da maioria parlamentar é tal que os
defensores de uma salvífica remodelação vão abandonando essa trincheira,
transferindo-se para o desenho da solução governativa que se segue, ainda no
contexto da actual composição da Assembleia da República. Porém, para que
tivesse legitimidade popular, seria necessário que se verificasse uma condição
insuperável no actual quadro parlamentar: que os deputados que nestes quinze
meses têm apoiado a coligação dessem agora o dito por não dito. Esse exercício
até podia vir a ser conseguido por uma daqueles exercícios de engenharia
partidária em que o PSD, nomeadamente, é particularmente hábil. Mas estes
tempos deixaram de ser favoráveis às manobras da mão invisível da política de
secretaria. Num instante, as praças e as ruas do país iriam encher-se para
exigir a reposição da soberania popular, porque a composição do actual
parlamento já é uma imagem substancialmente distorcida da vontade dos
portugueses.
Portanto,
mais vale atalhar e resolver esta situação pela via da aplicação das regras
democráticas e constitucionais: dar a voz ao povo e confiar no sentido do seu
voto. Por muito complexa e laboriosa que viesse a ser a constituição de uma
solução alternativa de governo, é a escolha que neste momento mais se aproxima
da vontade dos eleitores. E para a superação da conjuntura económico-financeira
este aspecto tem uma importância que em caso algum deve ser menosprezado. Os
ganhos de legitimidade obtidos, porque é esse o principal valor que neste
momento está em causa, representaria uma relevante contribuição para as
soluções políticas que viessem a ser equacionadas.
Por todas
estas razões, e à velocidade e imprevisibilidade com que os acontecimentos
políticos estão a desenrolar-se, é uma prioridade começar a tratar a agenda da
governabilidade do país, interpelando para tanto o PS, o PCP e o BE.
Assumindo-se a hipótese de nos próximos anos as maiorias absolutas estarem
excluídas, dado o estado de espírito dos eleitores, isso reforça a tese de uma
solução inclusiva no espaço político-partidário entre o PS e o PCP. Ao
tornar-se eleitoralmente determinante, esse acontecimento teria condições para
desbloquear as desconfianças e hesitações reinantes, contribuindo para imprimir
outra dinâmica ao pólo da esquerda. Havendo elementos que permitem acreditar que naquele campo as
diferenças são compatíveis de articular e que existem caminhos a explorar cujo
sentido podem dar lugar a uma resposta que retire os portugueses do garrote
financeiro em que o colocaram, então todas as iniciativas que contribuíssem
para equacionar a sua concretização deviam fazer prova de vida.
6 comentários:
É justo o que Cipriano escreve.
Abraço
Gostei da análise do Cipriano Justo, mas creio que ele é tão optimista como eu. Seguro nem quer ouvir falar dos partidos à esquerda...
Grande abraço
Não acredito nem um bocadinho nesta hipótese, Rodrigo.
O PCP e o Bloco de Esquerda NÃO SÃO, NEM QUEREM SER, solução de governo.
Ainda que o quisessem, o PS NUNCA quereria governar com nenhum deles.
Acredito muito mais num "centrão" do que nesta possibilidade.
Aquele abraço e votos de bom fim-de-semana
..."retirar os portugueses do garrote financeiro" é engraçado dizer uma frase destas quando já não temos soberania porque sem dinheiro nem sequer há liberdade e resumido num ditado popular... "Depois de casa roubada, é que se lembram de pôr trancas à porta"
Quanto a "dar a voz ao povo e confiar no sentido do seu voto" por acaso, chegámos aqui precisamente como? Isto não é por tentativas até acertarem, tudo funciona causa/efeito.
Muitos até preferiam nunca escolher nada, aliás, quem andou sem votar estes anos todos, agora devia ser proibido de se queixar.
Avisos não faltaram e enquanto se ficou quietinho e caladinho a presenciar a "festa de arromba", poucos foram os que avisaram das consequências, era ver quem podia sacar mais, os grandes aos milhões, os pequenos contentes com as migalhas que iam caindo.
Devíamos ter ido para as ruas exigir que pudéssemos dar a nossa opinião sobre a entrada do euro, claro que, com a promessa de milhões a cair do céu, tínhamos acabado por chegar exactamente ao ponto onde estamos hoje mas, pelo menos, tinha havido um debate público e alguém ter falado nas consequências negativas em vez de só terem emprenhado os ouvidos do povo, somente com as positivas.
Claro que há sempre pequenas coisas que podem ser alteradas, mas nada que nos livre do garrote que nós próprios pusemos ao pescoço.
A vida é feita de escolhas, quando passam de pessoais a de grupo, ficam mais difíceis de aceitar quando estivemos contra e descobrimos que até tínhamos razão, só que a Democracia tem este lado duro de roer, a maioria manda mesmo que estejam todos cegos e surdos.
Daqui, a única coisa que pode sair é uma aprendizagem, pena ser tão dolorosa e espero que não seja fatal... mas francamente, mesmo assim, tenho dúvidas que se aprenda alguma coisa porque quem mexe os cordelinhos tem sempre uma nova estratégia para mudar "a música" mas as consequências acabam por ser as mesmas, controlar e subjugar os mais fracos.
Bjos
O senhor deve estar em delírio se acha que alguma vez a Esquerda portuguesa vai ter a inteligência (que , desgraçadamente para nós, a Direita tem ) de fazer uma frente comum, uma plataforma de Governo.
Serei uma mulher mais feliz se desta vez estiver equivocada .
Bom fim de semana.
Eu também subscreveria a tese do Cipriano Justo, mas tenho muitas dúvidas sobre a possibilidade de haver uma alternativa baseada numa coligação à esquerda. Não há sinais de tal alternativa ser possível. Pelo menos, enquanto o PCP tratar o PS como seu inimigo principal. Não foi esse facto o que deu origem à presente situação ?
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