sábado, 8 de junho de 2013

Chove ? Nenhuma Chuva Cai...


Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas...

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,
E a cor do outono é um funeral de apelos
Pela estrada da minha dissonância...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"
 

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro Rogério, de vez em quando passo por aqui.
E, por sorte a minha, encontro sempre algo de muito bom.
Como este trabalho de Pessoa.

Um abraço e bom fim de semana.

Anónimo disse...

Chamei-lhe Rogério.
Errei.
Rodrigo, isso sim.

Perdoará a distracção.

Rosa dos Ventos disse...

Gosto muito de Fernando Pessoa!
Obrigada pelo poema!

Abraço

Gisa disse...

Um prazer ler Pssoa!
Um bj querido amigo
Um lindo final de semana.

Laços e Rendas de Nós disse...


Chove sempre na estrada da nossa dissonância...

Beijinho e bom fim de semana, Rodrigo

Laura

Pedro Coimbra disse...

Rodrigo,
Como é tradição no dia 10 de Junho, em Macau chove a cântaros.
Foi sempre assim desde que aqui cheguei.
Boa semana!
Aquele abraço!!

Graça Sampaio disse...

Belíssimo sempre, Pessoa!
Muito bem escolhido!

Beijinhos outonais em plena primavera...