Poema do Futuro
Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.
No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.
Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.
António Gedeão, in 'Poemas Póstumos"
8 comentários:
Ninguém vai ler as atrocidades que nos estão a fazer. Porque, simplesmente, não haverá gente, no futuro, que saiba ler com os olhos do passado.
Beijo
Laura
Eu ia comentar, mas depois de ler o comentário da Laura, limito-me a subscrever as suas palavras.
Abraço
"Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares."
É isso!
Um poeta
Acerta
Não falha
Que o futuro tenha rimas mais belas que aquelas que nos vão sendo debitadas todos os dias, Rodrigo.
Aquele abraço!
Isto de ir fazendo um post em cada dia com musicas ou poemas é mesmo só para não dizer que não põe nada de novo, não é? Não acha que musicas se podem ouvir no Youtube e poemas nos sites dedicados a isso? É o que eu acho.
Pedindo desculpa aos anteriores comentadores, permitam-me que responda ao ultimo:
Meu caro anónimo, antes de mais agradecer as suas visitas, apesar das observações que faz.
De facto não ando numa boa fase. De qualquer forma e para além do agradecimento que devo aos meus habituais visitantes tenho-me limitado a manter este blog quase em hibernação. Há razões que não são aconselháveis explicar aqui. Peço desculpa, mas talvez passe.
Cumprimentos
Rodrigo
Olá Rodrigo.
António Gedeão foi e será sempre o poeta da palavra certa.
"...é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra."
Por estes socalcos da vida vamos vagueando e depois de nós outros virão, num contínuo circulo vicioso e sem saida...A vida, o que vale a vida?
Um abraço e muita força, amigo!
Janita
http://blueshell.blogspot.pt/2013/01/estou-pronta.html
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